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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

19 de outubro

Ele sentou, porque não sabia mais o que fazer. Perdera a ideia de quanto tempo já tinha esperado, quantas pessoas já tinham passado em sua frente e quantas voltas já tinha dado naquele salão limitado de espaço.
Enquanto casais iam e vinham, beijavam-se, abraçavam-se, despediam-se; filhos se agarravam aos seus pais, pedindo que não fossem, ou perguntando quando voltavam; e mães se desfaziam, como se não houvesse dor maior no mundo do que dizer adeus, ainda que temporário; ele pensava em como se sentiria quando finalmente estivesse unido à única pessoas que importa.
Nada despertava sua atenção além das mudanças na tela de informações. Quatro aviões no pátio, dois desembarcando, dois em espera; um avião esperando confirmação para o pouso e outros três atrasados. Ele não sabia de onde vinha o avião que esperava, nem a hora que chegaria, só sabia que era algum horário num intervalo inacabável das 24 horas daquela quinta-feira, 11 de agosto.
Ele sorria toda vez que uma sombra passava atrás da porta automática, fazendo-a abrir e só então revelar por trás de seu vidro escuro, quem pedia passagem. Seu coração não sabia quantas batidas por minuto poderia aguentar a mais, se essa ansiedade não começasse a diminuir.
Todas as vezes que ouvia uma voz parecida com aquela que tinha gravada na memória, virava, rodava, andava, buscando identificar de onde vinha, na sincera esperança de que aquilo tudo acabasse; a espera, a saudade.
Cada vez mais pessoas passavam por ele, algumas tão comovidas, na sua própria felicidade ou infelicidade, de chegar ou receber, de deixar ou ser deixado, que aos poucos ele se percebeu invisível no meio de todas aquelas chegadas e partidas.
Por muito pouco não se desesperou, já quase sentia aquele abraço, o calor dos beijos, o carinho, a reciprocidade, o sorriso. Até que mais algumas horas depois, e ele já não sabia quantas, se três ou quatro desde de a última vez que ousara se levantar e se afastar um pouco daquele portão escuro, finalmente ele a viu. Um lenço amarrado na cabeça, escondendo aquilo de que ele atualmente sentia mais orgulho, uma vitória, da pessoa que ele mais amava, sobre si mesma, uma cabeça pelada.
Só depois de olhar tão fundo em seus olhos, que sentiu finalmente suas almas se unirem como lhes era devido que ficassem, reparou em outro pano, este um pouco mais sereno, num tom de azul bem claro, não de seda, mas de algodão, bem fofo, algo parecido com uma manta amarrado em seu peito, volumoso, estranho, inesperado, im-pen-sá-vel.
Primeiro, era absurdo que por tanto tempo ela tivesse lhe escondido algo como isso. Segundo, se é verdade, então ele gostaria de ter ajudado, participado, compartilhado, apesar de saber que jamais poderia, porque não podia sair do Brasil, não agora, com esse trabalho e ainda faltavam 4 meses para suas primeiras férias. Oito meses desde que se viram pela última vez, a última viagem para encontrar a amada, e dar o apoio durante o forte tratamento quimioterápico, havia sido logo antes de começar no novo trabalho, passara um mês e meio lá, sofrendo a queda de cada fio de cabelo como se fossem dele, raspou sua cabeça em solidariedade e a ajudou a raspar a sua, para tornar tudo mais fácil. Comprou turbantes, lenços e chapéus, tirou fotos ainda que contra a vontade da esposa e sorriu, infinitamente, ainda que tivesse vontade de chorar, porque sabia que precisava que ela ficasse forte, muito mais por ele, que não poderia viver sem ela, do que por qualquer outra coisa. Egoísmo? Ele achava que não, era amor.
Ele foi se aproximando, segurando as rosas, outrora rígidas, brilhosas e cheias de vigor, agora murchas, por causa da demora, mas simpáticas. Ela sorriu como se nada mais importasse naquele momento. E não importava. Ele percebeu que não havia nem 10 segundos desde que tinha colocado seus olhos nela e que não tinham piscado desde então, nenhum dos dois, até que ela fechou os olhos rapidamente e uma lágrima rápida percorreu em seu rosto até o seu sorriso. Ele a abraçou, de leve, mas com a intensidade de milhões de braços fortes apertando o que de mais importante tinha em sua vida. Uma mãe e um bebê.
Ela omitira por 34 semanas e 3 dias, que estava grávida, fruto daquela última visita, apesar da fragilidade por causa da doença e principalmente do tratamento, cada momento que tiveram juntos fora mágico e, agora ele sabia, coroado por essa felicidade indescritível, de ter a mulher mais bonita do mundo, envolvida no turbante que ele mais gostava, sem prótese, sem seios fartos, resíduo memorável da mastectomia, mas com o que havia de mais precioso nos braços e no coração. Câncer de mama? Que câncer? Isso eles já tinham vencidos, juntos. Hora de escrever o próximo capítulo. Ele olhou para baixo e viu um sorriso, entre o seu peito, que agora vibrava, e a pele macia da mulher que ele amava, um sorriso banguela, de olhos fechados. Um sorriso de uma semana e dois dias. Tudo que ele não esperava, ainda que esperasse havia quase 12 horas.

 

Minha homenagem às gurreiras que enfrentam o câncer de mama.
19 de outubro - Dia Internacional Contra o Câncer de Mama.

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