A ideia do blog é simples, criar um espaço em que eu possa falar sobre o que quiser e quando quiser, expor, analisar, comentar, reclamar, enfim, compartilhar com quem me acompanha tudo que eu achar relevante. Espero que vocês curtam o blog e participem. (:

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Noite fria, almas aquecidas.

A porta de vidro deixa enxergar o lado de fora. Embora a vista não alcance muito além da espessa neblina, é possível distinguir os vultos dos carros que passam silenciosamente pela pista da frente. Os sofás não comportam nada mais que almofadas, o ambiente aconchegante fica completo com as duas poltronas laterais, cada uma com uma manta em cima. O ar denso por causa do calor da lareira disfarça a falta de graus na temperatura apontada pelo termômetro e as velas ajudam a dar um clima romântico para a noite gelada que está fazendo. No som, toca um jazz antigo, baixinho.
No meio da sala a mesa de centro rodeada de almofadas e uma coberta felpuda. Em cima da mesa uma garrafa de vinho tinto chileno já no final, duas taças largas, de cristal; uma tábua de queijos que continha cubos perfeitos de gouda, emmenthal, gruyère,  provolone, brie, camembert, roquefort, ricota e mussarela de bufala regado com azeite de ervas finas; outra tábua com resquícios do delicioso presunto de parma em um canto, tomates secos ao lado, o que fora uma porção de azeitonas e algumas bruschettas caseiras. Um cheiro delicioso de chocolate derretido toma conta de tudo, mas não é visível sua fonte.
Ninguém na sala. Um cachecol deixado no tapete, um par de scarpins abandonados no caminho;  a porta do quarto entreaberta, só as chamas da lareira ainda acesa e a pouca luz que entra pela janela iluminam as duas pessoas adormecidas na cama.  Em cima de um criado mudo uma fotografia do casal, um relógio, um abajur, em cima do outro um aparelho celular, um batom, uma caixinha azul marinho, uma fita vermelha caída ao lado. No travesseiro um rosto em que descansa um sorriso silencioso, a mão direita repousando graciosamente ao lado da cabeça, no dedo anelar um anel de brilhantes. Em baixo das cobertas uma mão bem maior do que aquela que comporta o anel envolve um tronco pequeno demais para ser da mesma pessoa. No outro travesseiro um sorriso ansioso, complexamente feliz e intrigamente satisfeito em pertencer a alguém.  Ao longo da cama dois corpos imóveis, cúmplices, as pernas entrelaçadas.
A lareira continua crepitando, dando forma a sombras que compõem o cenário do final de uma noite perfeita, pelo menos para essas duas pessoas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

19 de outubro

Ele sentou, porque não sabia mais o que fazer. Perdera a ideia de quanto tempo já tinha esperado, quantas pessoas já tinham passado em sua frente e quantas voltas já tinha dado naquele salão limitado de espaço.
Enquanto casais iam e vinham, beijavam-se, abraçavam-se, despediam-se; filhos se agarravam aos seus pais, pedindo que não fossem, ou perguntando quando voltavam; e mães se desfaziam, como se não houvesse dor maior no mundo do que dizer adeus, ainda que temporário; ele pensava em como se sentiria quando finalmente estivesse unido à única pessoas que importa.
Nada despertava sua atenção além das mudanças na tela de informações. Quatro aviões no pátio, dois desembarcando, dois em espera; um avião esperando confirmação para o pouso e outros três atrasados. Ele não sabia de onde vinha o avião que esperava, nem a hora que chegaria, só sabia que era algum horário num intervalo inacabável das 24 horas daquela quinta-feira, 11 de agosto.
Ele sorria toda vez que uma sombra passava atrás da porta automática, fazendo-a abrir e só então revelar por trás de seu vidro escuro, quem pedia passagem. Seu coração não sabia quantas batidas por minuto poderia aguentar a mais, se essa ansiedade não começasse a diminuir.
Todas as vezes que ouvia uma voz parecida com aquela que tinha gravada na memória, virava, rodava, andava, buscando identificar de onde vinha, na sincera esperança de que aquilo tudo acabasse; a espera, a saudade.
Cada vez mais pessoas passavam por ele, algumas tão comovidas, na sua própria felicidade ou infelicidade, de chegar ou receber, de deixar ou ser deixado, que aos poucos ele se percebeu invisível no meio de todas aquelas chegadas e partidas.
Por muito pouco não se desesperou, já quase sentia aquele abraço, o calor dos beijos, o carinho, a reciprocidade, o sorriso. Até que mais algumas horas depois, e ele já não sabia quantas, se três ou quatro desde de a última vez que ousara se levantar e se afastar um pouco daquele portão escuro, finalmente ele a viu. Um lenço amarrado na cabeça, escondendo aquilo de que ele atualmente sentia mais orgulho, uma vitória, da pessoa que ele mais amava, sobre si mesma, uma cabeça pelada.
Só depois de olhar tão fundo em seus olhos, que sentiu finalmente suas almas se unirem como lhes era devido que ficassem, reparou em outro pano, este um pouco mais sereno, num tom de azul bem claro, não de seda, mas de algodão, bem fofo, algo parecido com uma manta amarrado em seu peito, volumoso, estranho, inesperado, im-pen-sá-vel.
Primeiro, era absurdo que por tanto tempo ela tivesse lhe escondido algo como isso. Segundo, se é verdade, então ele gostaria de ter ajudado, participado, compartilhado, apesar de saber que jamais poderia, porque não podia sair do Brasil, não agora, com esse trabalho e ainda faltavam 4 meses para suas primeiras férias. Oito meses desde que se viram pela última vez, a última viagem para encontrar a amada, e dar o apoio durante o forte tratamento quimioterápico, havia sido logo antes de começar no novo trabalho, passara um mês e meio lá, sofrendo a queda de cada fio de cabelo como se fossem dele, raspou sua cabeça em solidariedade e a ajudou a raspar a sua, para tornar tudo mais fácil. Comprou turbantes, lenços e chapéus, tirou fotos ainda que contra a vontade da esposa e sorriu, infinitamente, ainda que tivesse vontade de chorar, porque sabia que precisava que ela ficasse forte, muito mais por ele, que não poderia viver sem ela, do que por qualquer outra coisa. Egoísmo? Ele achava que não, era amor.
Ele foi se aproximando, segurando as rosas, outrora rígidas, brilhosas e cheias de vigor, agora murchas, por causa da demora, mas simpáticas. Ela sorriu como se nada mais importasse naquele momento. E não importava. Ele percebeu que não havia nem 10 segundos desde que tinha colocado seus olhos nela e que não tinham piscado desde então, nenhum dos dois, até que ela fechou os olhos rapidamente e uma lágrima rápida percorreu em seu rosto até o seu sorriso. Ele a abraçou, de leve, mas com a intensidade de milhões de braços fortes apertando o que de mais importante tinha em sua vida. Uma mãe e um bebê.
Ela omitira por 34 semanas e 3 dias, que estava grávida, fruto daquela última visita, apesar da fragilidade por causa da doença e principalmente do tratamento, cada momento que tiveram juntos fora mágico e, agora ele sabia, coroado por essa felicidade indescritível, de ter a mulher mais bonita do mundo, envolvida no turbante que ele mais gostava, sem prótese, sem seios fartos, resíduo memorável da mastectomia, mas com o que havia de mais precioso nos braços e no coração. Câncer de mama? Que câncer? Isso eles já tinham vencidos, juntos. Hora de escrever o próximo capítulo. Ele olhou para baixo e viu um sorriso, entre o seu peito, que agora vibrava, e a pele macia da mulher que ele amava, um sorriso banguela, de olhos fechados. Um sorriso de uma semana e dois dias. Tudo que ele não esperava, ainda que esperasse havia quase 12 horas.

 

Minha homenagem às gurreiras que enfrentam o câncer de mama.
19 de outubro - Dia Internacional Contra o Câncer de Mama.

domingo, 9 de outubro de 2011

À ventura

O que te dá vontade de sorrir também te faz chorar. O que te faz feliz às vezes pode te decepcionar.  Nem sempre  tudo está tão bem quanto parece e não é muito fácil perceber, porque a gente tem mecanismos que nós mesmos desconhecemos pra mascarar o que se passa lá no fundo. Ser feliz não é um estado de espírito, é muito mais que isso, é uma vida, uma base, um visão geral de todos os momentos, inclusive os ruins, que no final do dia, te fazem ser você. Ser feliz é um conjuto de viver, acertar, errar, às vezes com nós mesmos, às vezes com as pessoas que mais nos importamos, às vezes com alguém que importa pra alguém que nós amamos. Ser feliz não precisa ser o tempo todo, mas precisa ser em algum momento. É uma questão de superação, porque ser impecável não existe, não é disso que se trata a felicidade. Ser feliz é ser capaz de tolerar os erros, os seus próprios e os dos outros, é saber que há muito além do certo e do errado, do difícil e do fácil. É o que te faz continuar depois daquela manhã de mau-humor genuíno, daquela tarde em que tudo deu errado e daquele dia que você queria que nunca tivesse acontecido. Ser feliz vai muito além e é muito mais complexo do que simplesmente não acontecer nada de errado. Algumas coisas tem que dar errado, só pra termos a satisfação de tentar fazê-las dar certo. Às vezes nem o certo nos deixa bem. Às vezes a gente não sabe lidar com o certo, porque o certo pode ser muito chato. Eu já fui feliz com coisas que deram errado. Ultimamente, posso dizer isso de várias coisas, porque até mesmo errar pode proporcionar bons momentos; Assim como o que nos faz chorar.
É ou não é loucura esse instituto de ser feliz?

À ventura!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Das fases da vida:

A fase que a gente não lembra, a fase que a gente vê fotos e começa a achar que lembra; A fase que é meio apagada, mas que a gente lembra; As fases que passam até a gente chegar na fase em que tudo é colorido, nós somos as crianças mais lindas do mundo e ficamos "cada vez mais lindos"; A fase em que essa maravilha colorida de ser criança vai passando e a gente começa a entrar na fase negra, em que tudo é um caos; A fase em que bater a porta quando sair de algum lugar é o mínimo, mas também é até onde se pode ir; A fase em que qualquer autoridade é um desafio e qualquer concorrência é uma ameaça; A fase em que tudo importa; A fase em que nada importa; A fase em que tudo importa mais do que importa de verdade; A fase que a gente finge que não importa, mas tá sendo consumido por dentro; A fase de ouvir música alta só pra ninguém escutar o que realmente se passa dentro do seu quarto; A fase de assustar seus pais com a mudança súbita do seu estilo musical e depois das suas amizades; Fase de fazer tudo errado, escolher companhias erradas e quebrar a cara; Fase de se reencontrar, se dar mais valor, dar uma direção pra vida, traçar metas e achar que já está crescido; Fase de se apaixonar platonicamente; Fase de se apaixonar de verdade, mas achar que é platônico; Fase de conquista; Fase de achar que está amando, só para depois entrar na fase de perceber que nunca amou de verdade; Fase de se recuperar do quase amor, que não deu certo; Fase de ir pra balada, de beber uns bons drinks e desafiar a noite a acabar; Fase de dançar até descer do salto e se apaixonar todo final de semana por um cara diferente; Fase de quietar um pouco, estudar e finalmente passar dessa fase escrota que é a escola. Fase de esperar a vida começar; Fase de manter as melhores amizades, dipensar as que não valem à pena e fazer outras tantas, muito boas. Fase de liberdade, ainda que limitada; Fase de querer muito mais, de querer aproveitar tudo ao máximo; Fase de não ir mais para a balada de salto; Fase de bares, cinema e de samba na terça, baladinha na quarta (de sapatilha), forró na quinta, balada na sexta (de salto alto), barzinho no sábado, ressaca domingo, segunda para limpar a alma e começar tudo de novo no dia seguinte. Fase de não cansar e só cansar do que não cansa; Fase de deixar tudo do jeito que está; Fase de sonhar alto e pousar rapidinho, pensar e perceber que dá pra sonhar à meia altitude a curto prazo, mas que a longo prazo se pode tudo. Fase de pensar nas próximas fases.... Ah, fases!

Texto dedicado à minha irmã, que está por aí, perdida numa fase tensa de não saber em que fase se quer estar. Irmã, todas as vezes que eu olho para você me vejo uns anos atrás, passando por todos os mesmo conflitos. Essa chatisse passa, relaxa! Chatisse também é fase. É fase que está ali naquele meio das fases em que "ter fases" é uma fase! E passa! Mas como é chata essa fase de ser chata!

(...)